Ficção Real

O táxi parou em frente ao prédio. Estava ela de volta á seu apartamento minúsculo, seus vizinhos desconhecidos, seus amigos interesseiros, seu trabalho de subalterno, sua vidinha maquinada. Havia feito uma viagem maravilhosa. Há tempos não se divertia tanto. Como foi bom rever amigos de verdade, ser abraçada de verdade, sorrir de verdade… Segurando sua mala, abraçando-a contra o peito, se deixou ficar por alguns instantes na calçada, com os olhos cheios de lágrimas. Olhava a cidade que há tempos não via. Admirava a cidade que já era sua. Talvez deixasse de ser. A viagem que fizera a fez pensar se já não era hora de partir. Se nada de fato a prendia ali, por que ficar? E foi assim, que ao invés de desfazer a mala que trazia consigo, subiu a seu apartamento e começou a fazer outras malas. Passou a noite inteira encaixotando seus pertences. Na manhã do dia seguinte mandou tudo embora.  Arrependeu-se no fim da tarde, ao retornar a seu apartamento e encontrar um grande vazio.  Nada mais ali era seu, e as lágrimas vieram. Chorou por horas deitada no chão frio, onde na noite anterior havia um tapete, um sofá, uma mesa de centro… Nestes momentos de tristeza sem fim, em que não conseguia um abraço amigo para confortar-se, ela escrevia. No papel transpassava toda sua dor. Virava ela personagem de sua própria história, que nas curvas das letras traçadas, pareciam mais interessantes. A tristeza a inspirava, a instigava. Escrever a acalmava, a confortava. Depois do rompante surto de arrependimento, ela pegou a única mala que sobrara e saiu sem olhar pra trás. Tinha medo de olhar e desistir de partir […].

[…] O táxi parou em frente ao prédio. Ventava incessantemente anunciando a chegada de uma forte chuva. Ela desceu com ar de cansada. Tudo que desejava agora era um banho, uma xícara de chá, e um abraço. Tudo bem quente, de preferência. Segurando sua mala, abraçando-a contra o peito, se deixou ficar por alguns instantes na calçada. Estava de volta. Estava em casa. Admirava a cidade que já não era mais sua. Talvez voltasse a ser. Adentrou o prédio, subiu três lances de escada e parou diante de uma porta. 444. Este era o número de seu novo apartamento. Quatro, era seu número da sorte, mas angustiada com a mudança nem havia se dando conta deste detalhe. Entrou em casa e colocou a mala no chão sorrindo. Seus pertences já estavam ali. Seus móveis, seus livros, roupas e bibelôs. Tudo devidamente arrumado. Sentiu-se realmente em casa. Na mesa de centro, um bilhete da mãe que preparara tudo, a desejava boas vindas. Enquanto lá fora chovia, de seus olhos corriam lágrimas. Ela não sabia explicar o motivo. Talvez tristeza por estar de volta, talvez alegria por estar em casa, talvez emoção, talvez nada.

Os dias se passaram depressa e aos poucos ela foi percebendo que não há melhor lugar no mundo do que dentro de um abraço apertado de quem nos ama de verdade.

Terminou de escrever e deitou-se mais calma. Antes de dormir, certificou-se de que o despertador tocaria na manhã seguinte.