Um conto em três contos – O final dela

Ha quem diga que foi obra do acaso. Acredito eu, que o encontro dos dois foi detalhadamente planejado… Lá vinha ela, com toda sua distração encantadora. Caminhava um tanto perdida, como já lhe era casual. Neste dia, talvez, um pouco eufórica e extremamente ansiosa. Havia decidido parar de fumar e a abstinência à nicotina a descontrolava ás vezes. Vinha ela com o fone nos ouvidos, embora não estivesse ouvindo absolutamente nada. Simplesmente caminhava. Em sentido contrário ao dela, vinha ele. Parecia apressado, nervosa, atrasado. Falava ao telefone. Passaram um pelo outro, e não se viram. Mas ela o percebeu. Sentiu seu cheiro que ficou no ar. Se virou como nos desenhos animados, procurando aquele ser cheiroso que cruzou seu caminho. O perdeu na multidão. Mas aquele cheiro tão peculiar, não saiu de sua mente. Os dois seguiram seus caminhos. E este poderia ter sido o fim. E ela poderia chegar em casa, sentar-se diante de sua tristeza, e escrever mais um conto. Um conto sobre uma menina distraída que perdeu um possível amor de sua vida. Que o deixou ir, sem sequer vê-lo. Mas, ficou com a fragrância do perfume, seu cheiro…
E como o encontro dos dois foi detalhadamente planejado, nada aconteceu ao acaso. Ela sentou-se no parque. Saboreava um sorvete. Precisava de alguma maneira distrair o desejo de fumar. E aquele cheiro que já lhe era quase um sonho, se fez presente intensamente. Ergueu os olhos e viu um homem sentado no banco a sua frente. Olharam-se. Ao sentir-se quase nua com a maneira que ele a fitava, ela rapidamente baixou a cabeça. Apaixonou-se. Pelo cheiro, pelo olhar, pelo sorriso… Como não acreditava em amor a primeira vista, decidiu erguer os olhos e olhá-lo mais uma vez. Ou duas, três, ou seis… E ele ali, ainda a intimidava com o olhar. Ele que a embriagava com seu perfume barato, se apaixonou pelo seu sorriso tímido. Seus olhares se cruzaram. Ele sorriu. Ela tentou segurar o coração que parecia querer saltar para fora do peito…
E como dois adolescentes, que já não eram mais, se envolveram aos pouquinhos. Primeiro uma troca de olhares no parque, depois, um entrelaçar de mãos trêmulas… Corpos próximos, olhos nos olhos. O roçar da barba por fazer arrepiando-lhe a nuca. O calor do bafo quente ao pé do ouvido. Um beijo, um abraço, um carinho, um afago… e isso já faz quase um mês! E o telefone tocou no dia seguinte. E no outro também. A felicidade era tão grande que assustava.
Vestida para sair com ele, ela, começou a conferir se estava tudo em ordem, para passar a trinca na porta. Não estava. Sobre a escrivaninha havia um caderno cheio de rabiscos, uma caneta mordida, algumas bolinhas de papel,um doce mordido, uma taça de vinho pela metade, e uma garrafa quase cheia. Caminhou até lá. Leu as poucas linhas traçadas por ela há tempos, e tentou prosseguir o raciocínio. Em vão. Tomou o vinho da taça. Rabiscou algumas coisas sem sentido. Encheu novamente a taça. Bebeu de uma só vez. O telefone tocou. Era ele. E agora o que fazer ¿ Queria tanto escrever. Neste momento, sentia necessidade disso. Maldita alegria que transbordava. Maldito amor que lhe tirava o folego, o sono, a inspiração… Felicidade clandestina! O telefone tocava insistentemente. Ela, covarde que foi, bebeu, chorou e dormiu…
“Hoje a tristeza não é passageira… Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida. Ou fingir estar sempre bem…”