Medos

Eu tenho medo!

Tenho medo do sapo que pula.

Da barata que voa.

Medo de animais que rastejam…

que falam, ferem, magoam…

Tenho medo de dormir e não mais acordar.

Tenho medo de me deitar e não conseguir dormir.

No meio da noite,

tenho medo dos meus pensamentos.

Daqueles mais bobos, mais soltos… Tão meus!

Tenho medo de me perder no medo e de ver minha vida passar,

como está passando agora.

Pelo janela do ônibus, pelo ralo do banheiro, no conforto meu travesseiro.

Tenho medo da minha vida de mentiras,

dos sonhos que crio pra satisfazer meu ego e o meu medo de não ter histórias…

Eu tenho medo de ver que tudo que vivi foi em vão.

E o medo maior é este sentimento de que nada vivi.

Poderia ter vivido mais e ter feito coisas incríveis,

mas, tenho medo!images

Tenho medo dos meus medos e me abraço com ele, porque a solidão me assusta!

A garota

Dessa vez trago um texto de um poeta mariliense. Ele nos possibilita um olhar sobre nossa realidade e o que deixamos de ver porque se tornou comum…

Ontem avistei uma garota,
Era tão linda, marota.
Caminhava solitária pela rua,
Pés descalços, sonhadora,
Parecendo tão ingênua.
Era uma garota simples,
Talvez ainda criança,
Com toda vida pela frente,
Cheia de vívida esperança.
Ontem avistei uma garota,
Essa imagem meu coração cortou,
A pobre menina
Coitada, sem destino,
Sem caminho, sem sina,
Olhou para mim e sorriu,
Um sorriso tão triste,
Um clamor de socorro.
Ela parava em cada lixo
E com muito capricho
Procurava no meio dos detritos
Algo para manter em chamas
Seu sonho de menina vivo.
Essa sonhadora garota
Era moradora de rua,
De dia saía de comida a procura,
De noite se escondia
Com sua amiga lua.

Wagner Soares

Fantasmas da gaveta: fim de noite e alta madrugada

Para hoje desengaveto do Facebook esse trecho de Antonio Celso Ferreira. Uma bela imagem de São Paulo que me fez lembrar da solidão que as grandes cidades oferecem junto a tantas outras opções.

“São Paulo entra naquela estação agradável do pré-inverno. Tempo nublado ornando com seus prédios velhos escuros. Temperatura nem fria nem abafada. Chega aquela sensação esquisita que se confunde com uma depressãozinha básica. Hora de ir ao cinema. Até comprei uma tábua nova de passar roupa. E eu que não gosto desse tipo de tarefa, já a estreei. São Paulo tem um jeito deprê de ser.”

Lembrei-me também de um senhor moçambicano – viúvo, forte aos 74 anos, e cheio de histórias sobre Sócrates (o jogador e o filósofo) – que dividi apartamento em Lisboa. Na madrugada do ano novo, quando cheguei em casa lá pelas tantas, ele passava roupa. Acho que ele tinha muito que esquecer naquela pilha enorme de camisas.

Falando com Antonio Celso sobre aquele trecho descobri seus escritos no blog Impertinências do Mundo e entre eles estes dois poemas. Não estavam propriamente engavetados, mas  prontos para novos ares. Poemas bonitos, para quem gosta da madrugada, eles estavam marcados com a tag Fantasmas da gaveta. Devem ser os mesmos fantasmas que afetam as noites do meu amigo, sempre insone como todos naquele apartamento de estrangeiros, fantasmas esses que de vez em quando me assustam também.

Noturno (1986)

“Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos”.
Manuel Bandeira
Noite
vou
notívago
divagar
Noite
vil
vazio
noir
Noite
voa
Noite
Noite

Blues londrino (1983)

Londrina da minha janela
cidade do Paraná
Billie Holiday canta pra ti
estranhamente aqui
Quem sabe Londres fosse
coração para o meu corpo
eu não precisaria enfim
ser professor de mim
Mas não tu
cidade província
roteiro de viajante
se parecesses Brasília
minha primeira família
São Paulo ao menos agasalha
este país esta falha
de um projeto humano
sem história e sem dono
Já sei
tu não serás meu limite
meu porto é adiante acredites
Entrementes
Billie Holliday cumpre sua sina
nesta ausente Londrina
.
.
.
São Paulo, Brasília, Londres, Lisboa e Londrina, acho que são um pouco assim.