Conto Pingado

engraxate-2Era um menino pobre! Não passava fome, mas teve que trabalhar desde muito jovem. Não teve tempo para jogar futebol, brincar de queima, esconde-esconde… Não pôde subir em árvores, correr nas ruas… Não tinha brinquedos caros, nem roupas bonitas, nem chinelos novos… Não tinha quase nada, mas tinha muito. Tinha uma felicidade nos olhos, uma família que o amava, uma cama para dormir, um caderno de 20 folhas para estudar e uma caixa de engraxate para trabalhar.
Era um menino rico! Rico de esperanças, sonhos, determinação. Levantava todos os dias bem cedo. Ao nascer do sol, já estava de pé. Vestia-se, lavava o rosto e os dentes, penteava os cabelos crespos com a velha escova de lavar roupas e corria até a cozinha. Lá já estava a sua espera um pedaço de pão e um copo de café com leite. Nem sentava para o desjejum. Fazia tudo as pressas. De barriga cheia, calçava se velho chinelo de correias diferentes, colocava o caderno embaixo do braço, beijava a mãe e saía apressado arrastando a caixa de engraxate.
Passava a manha inteira trabalhando próximo a uma padaria. A tarde corria para a escola. Junto com o pôr do sol, se punha também! Chegava cansado. Ajudava a mãe e os irmãos nos afazeres de casa, jantava e dormia cedo.
Era um menino otimista! Ansiava por dias melhores. Dias sem o sol tão quente, dias com mais clientes, dias mais claro, dinheiro mais fácil. Sonhava com o dia em que entraria nos lugares sem ser medido dos pés a cabeça. Acreditava que dias melhores viriam e talvez por isso, virão.
Era um menino determinado! Há tempos ele vinha juntando seus trocados para um propósito. Ele queria satisfazer um desejo. Um desejo bobo, quase egoísta, porque era só seu. Sempre ajudou em casa com o dinheiro que ganhava, mas há algum tempo ajudava com menos, porque queria comprar algo. Trabalhava próximo a uma padaria e sempre ouvia seus clientes dizer que queriam um “pingado”. Todo mundo tomava um pingado. E isso o instigou a querer um também. Ele não fazia ideia do que seria um pingado, mas decidiu que juntaria seus trocados para comprar um.
Numa manhã, ele se levantou, vestiu-se, lavou o rosto e os dentes, penteou os cabelos crespos com a velha escova de lavar roupas e correu até a cozinha. Não quis tomar café. Em fim ele tinha dinheiro suficiente para comprar o seu pingado. Beijou a mãe, calçou seus chinelos velhos, pegou seu caderno, a caixa de engraxate e as moedinhas que juntara. Saiu apressado.
Entrou então na padaria um menino arrastando uma caixa de engraxate. Trajava roupas velhas, porém muito limpas. Cabelos crespos, mas bem penteados. De pés rachados, mas calçado. Era um menino pobre, mas trazia consigo um saco de moedas. Nas pontas dos pés ele conseguiu alcançar o balcão e depositando as moedas sobre o mesmo pediu:
– Moça, um pingado, por favor!
Os olhos do menino brilhavam enquanto aguardava seu pedido. Não cabia em si com tamanha ansiedade. Logo, com um sorriso no rosto, a garçonete depositou sobre o balcão uma xícara…
Era um menino pobre, que tomava pingado todos os dias e nem se dava conta disso!

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