Verdade Inventada

Então o natal se aproxima, e junto com ele toda esta agitação natalina que se difunde com costumes europeus e consumismo. Esquecendo-se de fato o verdadeiro significado da data. Ela não gostava muito desse natal importado aderido em seu país tão tropical. Sentia arrepios e tonturas ao ver o pobre velhinho envolto naquele agasalho vermelho. O sol “rachando”, quarenta graus na sombra, é lá estava aquele homem sendo obrigado a distribuir sorrisos. Ela o via com a mesma piedade que via o palhaço. Aquele pobre coitado de cara pintada, nariz vermelho, que tem que sorrir e fazer palhaçada, mesmo tendo uma vida desgraçada.
Caminhando pelas ruas movimentadíssimas do centro comercial da cidade, ela procurava entre uma vitrine e outra, um presente para seu amigo secreto. Odiava esse jogo. Sempre se frustrara com os presentes que ganhara. Mas aquela brincadeira sem graça, que não agrada a quase ninguém, já era habitual nas festas de fim de ano de sua família.
Há alguns anos ela havia ido embora de sua cidade e desde então, não mais viu sua família, não mais participou das festas de natal, nem trocou presentes. Este ano, todos se reencontrariam. Ela estava ansiosa. A saudade não cabia no peito. Era hora de rever a família, os amigos, a cidade…
Enquanto arrumava as malas, ela se perguntava se havia escolhido a melhor data para a viagem. Eram nestas malditas festas de família, onde todos se reuniam, que todos queriam mostrar o quanto cresceram, o quão se deram bem na vida. Muitos queriam dar lição de moral. Era nestas festas que a família se reunia para falar uns dos outros. Nem sempre bem…
Todos da sua idade já tinham filhos, estavam casados, eram noivos ou tinham namorados… E ela? Ela não tinha nada. Se quer um cachorro. Tinha um gato. Um gato de rua que às vezes invadia sua cozinha pra roubar os restos de comida, que caiam no chão. Gato sem dono, sem lar, sem destino. Gato este que às vezes se compadecia dela, e num ato repentino de amor, a acariciava em noites frias, se aconchegava a ela, por um dia ou dois. E depois sumia por semanas. E depois voltava à surdina para roubar comida na cozinha. Assim também eram seus amores. Amores de um dia, ou dois, que se enlaçava em seus braços, se deleitava em sua cama e depois saía como o gato. Este era um dos motivos de sua solteirice. Ou era apenas a desculpa que ela dava aos amigos. Pois em verdade convivia muito bem com sua solidão. Sentia-se forte nela. ‘Não tinha medo de chuvas tempestivas, nem de grandes ventanias soltas. Ela era também o escuro da noite’.
Sentia-se bem naquela sua vidinha, mas, sabia que seria apontada naquela maldita reunião de família. Já conseguia ouvir as perguntas frequentes a respeito dos filhos, marido, namorado, companheiro, cachorro…
“Então é Natal!” Então é hora de esquecer os problemas, estampar um sorriso no rosto e sair por aí distribuindo abraços e presentes. Máscara pronta! Decidiu que seria mais fácil ser quem todos quisessem que ela fosse. E dizer que tinha um namorado novo, um cachorro bagunceiro, um anel de compromisso. Uma história de conto de fadas, que os deixassem orgulhosos dela. Pronta pra viajar, colocou na mala umas mentiras para contar…

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